quarta-feira, 4 de agosto de 2010

ORIENTAÇÃO DO DR. DANIEL LOURENÇO COM REFERÊNCIA A CASOS DE ANIMAIS ABANDONADOS EM RESIDÊNCIAS

Prezados,Esta situação de abandono de animais dentro de casas/apartamentos é
infelizmente muito comum e, ao mesmo tempo, lamentável.
O ideal, em termos de solução prática do problema, é tentar ir ao local e
conversar com funcionários do condomínio e vizinhos com a finalidade de
obtenção do telefone dos moradores para explicar a situação emergencial
decorrente do abandono dos animais e, com isso, buscar uma solução
consensual. O consentimento do morador, autorizando a entrada na
residência é a melhor solução, pois rompe qualquer possibilidade de
caracterização do crime de invasão de domicílio. Neste caso, o ideal seria
registrar essa autorização para entrada em domicílio por escrito e realizar
a entrada na presença de funcionários do condomínio/vizinhos/testemunhas para evitar qualquer alegação futura de dano à propriedade.
No entanto, no mais das vezes, infelizmente isto não é viável seja pela não
obtenção do contato, seja pelo descaso dos moradores.
FUNDAMENTAÇÃO DO ABANDONO COMO CRIME PERMANENTE: O
abandono de animais constitui evidentemente fato típico punível pelo art.
32 da Lei n. 9.605/98, pois constitui ato de abuso, privado que fica o
animal (ou animais) do acesso à alimentação e demais cuidados. O
abandono é considerado crime quando quem o pratica deixa sem auxílio
ou proteção (desamparado), o animal a quem tem o dever, diante da lei,
de amparar. Quando se abandona um animal que está sob seu cuidado,
guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, a situação o
deixa incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono, o fato
típico está plenamente configurado na modalidade abusiva.
No caso específico do Estado do Rio de Janeiro, temos a Lei Estadual n.
4.808/06 que corrobora o fato de ser o abandono um ato ilícito em razão
do descumprimento dos deveres de cuidado decorrentes da guarda de
animal, nos termos do seu art. 16: “Na manutenção e alojamento
de animais deverá o responsável: I -Assegurar-lhes adequadas condições
de bem-estar, saúde, higiene, circulação de ar e insolação, garantindo-lhes
comodidade, proteção contra intempéries e ruídos excessivos e
alojamento com dimensões apropriadas ao seu porte e número,de forma
a permitir-lhes livre movimentação; II - Assegurar-lhes alimentação e água
na freqüência, quantidade e qualidade adequadas à sua espécie, assim
como o repouso necessário; III - Manter limpo o local em que ficarem
os animais, providenciando a remoção diária e destinação adequada de
dejetos e resíduos deles oriundos; IV - Providenciar assistência médicoveterinária;
V - Evitar que sejam encerrados junto com outros animais que
os aterrorizem ou molestem; VI - Evitar que as fêmeas procriem
ininterruptamente e sem repouso entre as gestações, de forma a prevenir
danos à saúde do animal.”

CARACTERIZAÇÃO DA SITUAÇÃO FLAGRANCIAL: Neste sentido, enquanto

perdurar a situação de abandono, o crime está em andamento (crime é
tido como crime permanente – o abuso está sendo cometido com a
situação do abandono e dela decorre), possibilitando a caracterização do
flagrante delito. De acordo com o art. 302 do Código de Processo Penal,
“considera-se em flagrante delito quem: I - está cometendo a infração
penal; II - acaba de cometê-la; III - é perseguido, logo após, pela
autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça
presumir ser autor da infração; IV - é encontrado, logo depois, com
instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor
da infração. O art. 303, também do Código de Processo Penal estabelece
claramente que “nas infrações permanentes, entende-se o agente em
flagrante delito enquanto não cessar a permanência”, como é o caso do
abandono de animais com privação de condições mínimas de subsistência,
ou seja, os moradores que abandonam os animais incorrem na situação
descrita no art. 302, inciso I do Código de Processo Penal, cumulado com
o art. 303 do mesmo diploma legal.
Paralelamente, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XI,
determina que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela
podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de
flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia,
por determinação judicial”. No mesmo sentido, o art. 150, § 3º, II, do
Código Penal afirma que não constitui crime “a entrada ou permanência
em casa alheia ou em suas dependências: II - a qualquer hora do dia ou da
noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o
ser. Segundo os §§4º e 5º do mesmo dispositivo, “a expressão "casa"
compreende: I - qualquer compartimento habitado; II - aposento ocupado
de habitação coletiva; III - compartimento não aberto ao público, onde
alguém exerce profissão ou atividade. Não se compreendem na expressão
"casa": I - hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva,
enquanto aberta, salvo a restrição do n.º II do parágrafo anterior; II -
taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero”.
SOLUÇÕES PRÁTICAS: Com base na fundamentação acima exposta,
teríamos 4 alternativas básicas para ajudar os animais e situação
emergencial (expostas em ordem de preferência):
(a) Solução consensual acima exposta;
(b) Requerer à autoridade judicial a expedição de mandado de busca e
apreensão domiciliar dos animais abandonados com base no fato
de constituir o abandono fato típico punível pelo art. 32 da Lei n .
9.605/98 (no pedido de expedição do mandado, explicitar quem
ficará como fiel depositário dos animais – normalmente, o próprio
requerente, pessoa física ou ONG); De acordo com o art. 243 do
Código de Processo Penal, o mandado de busca deverá: I - indicar, o
mais precisamente possível, a casa em que será realizada a
diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; II -
mencionar o motivo e os fins da diligência;III - ser subscrito pelo
escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir.
(c) Entrar em contato com o Ministério Público e/ou a autoridade
policial com a finalidade de solicitar seja realizada diligência
emergencial no sentido de interrupção do crime em andamento.
Esta alternativa, como bem se sabe, dependerá da sensibilização do
membro do Ministério Público e/ou da autoridade policial. A
autoridade policial, com base no flagrante delito, poderá entrar na
residência, cumprindo seu dever legal de interrupção do fato típico
(art. 23, inciso III, do Código Penal). O ideal é que o arrombamento
seja feito por chaveiro na presença da autoridade policial para que
não seja caracterizado qualquer dano à propriedade alheia. No final
da diligência, fazer constar do boletim de ocorrência ou do
inquérito criminal porventura instaurado a narração do fato e quem
ficou como depositário dos animais apreendidos. É sempre
recomendável a presença de testemunhas.
(d) A terceira alternativa, menos recomendável, mas viável, seria o
próprio cidadão, com base na ocorrência do crime, e da
caracterização da situação flagrancial, providenciar o
arrombamento da porta (sempre ideal por meio de chaveiro) e
entrar na residência para salvar os animais em situação de
abandono. Esta situação, estará amparada pelo estado de
necessidade, que é uma excludente de ilicitude, prevista pelo artigo
23 do Código Penal (“não há crime quando o agente pratica o fato: I
- em estado de necessidade; II - em legítima defesa; II - em estrito
cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito). É
claro que nesta situação quem entra fica mais “vulnerável”.
Portanto, é sempre bom documentar a entrada o mais fartamente
possível na presença de testemunhas.
Espero ter colaborado para elucidar as medidas possíveis nesta delicada e
triste situação.
Atenciosamente,
Daniel Lourenço.




Rio de Janeiro – Brasil



http://www.falabicho.org.br/PDF/52.pdf

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