Missão Beagle
16 de agosto de 2012 às 6:00
Por Fátima Chuecco (Da Redação) Site: ANDA
Beagles com apenas seis meses de idade passam pelos experimentos (Foto: Reprodução)
Quem se emocionou com a libertação dos 2, 5 mil beagles do criadouro Green Hill da Itália e dos que restaram dos testes realizados na Universidade Estadual de Maringá – UEM (PR), tem agora a chance de participar de uma manifestação visando o término da utilização desses cães em institutos de pesquisa e universidades brasileiras. No próximo domingo, dia 19, um comboio partirá por volta das 9h do Masp (SP) em direção à cidade de São Roque, onde funciona um dos estabelecimentos que testa drogas em animais incluindo beagles: o Instituto Royal. Em São Roque a concentração será na Praça da República, próxima à Agroverde.
Vale ressaltar que todos os testes ainda mantidos nos cães já possuem métodos substitutivos (muitos in vitro) e que, no caso particular dos beagles, são usados animais bem jovens, por volta de seis meses de idade, totalmente inocentes, carentes e ávidos por brincadeiras. A infância desses filhotes é transformada num inferno de medo e dor a partir do momento que são obrigados a inalar substâncias tóxicas e receber nos olhos drogas que causam irritação e até corrosão da pele.
Denúncias de que 75 beagles foram entregues no Instituto Royal há cerca de um mês e de que até o CCZ de São Roque também está enviando vira-latas para experimentação animal motivaram um grupo de protetores independentes a articular a manifestação de domingo visando o término desse doloroso martírio. A luta pela libertação dos beagles começa pelo Instituto Royal mas, segundo os ativistas, pretende atingir todos os estabelecimentos onde diversos testes com animais já poderiam ser substituídos por outros que não dependem da vivissecção (que significa cortar vivo).
Os testes e as alternativas
Em geral, os testes com beagles são de toxidade oral, irritação aguda ocular, irritação aguda dérmica e toxicidade reprodutiva (nesse caso é avaliada quanto a substância afeta a capacidade do indivíduo em se reproduzir, seja atrofiando seus órgãos genitais, dificultando a produção de gametas ou diminuindo a libido). Os efeitos são devastadores e incluem náuseas, convulsões, diarreias, dificuldade respiratória, entre outros.
“Os beagles são dóceis, mas esse não é o principal motivo para serem usados. Cães SRD possuem muita variabilidade genética que não é adequada para testes de toxicologia. Animais com perfil genético semelhante proporcionam dados mais agrupados. Mas isso só mostra que esses resultados são resposta para esse perfil genético. Considerando que não somos beagles não há muita utilidade neles”, comenta o biólogo Sérgio Greif, autor da obra “Alternativas ao Uso de Animais Vivos na Educação – Pela Ciência Responsável”.
Greif diz que para os testes de irritação ocular, por exemplo, há uma centena de metodologias que não utilizam animais: “A maioria delas envolve o uso de células animais isoladas in vitro e sistemas organotípicos, mas até a germinação de uma espécie de leguminosa (Canavalia sp.) já se mostrou mais efetiva para prever o que aconteceria ao olho humano do que olhos de coelhos albinos ou de outros animais”.
Segundo o biólogo, outro recurso que pode ser utilizado em testes toxicológicos é a simulação computacional: “Com base na conformação fisica da molécula do tóxico é possivel se prever em quais sitios de ligação ela vai se ligar. Essas informações podem ser cruzadas com informações armazenadas em um banco de dados que, com base na estrutura da molécula, pode determinar que efeitos ela terá sobre o organismo”.
Os beagles são ainda forçados a inalar fumaça para testes para indústrias de cigarro. “Apesar de já estarem evidenciados os riscos que o fumo traz à nossa saúde, continuam utilizando animais na investigação dos efeitos do tabagismo. É simplesmente inaceitável que se justifique a inalação forçada de fumaça, por animais de laboratório, como forma de se avaliar os efeitos da nicotina e alcatrão sobre a saúde humana”, explica Greif.
Na contramão da Nova Ciência
Em 2010 o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) promoveu uma campanha com a mensagem “Sem animais, não há pesquisa”. Um dos maiores propagandistas da campanha foi o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e presidente da Federação Latino-americana de Biofísica, Marcelo Morales. Na ocasião ele declarou ao Correio Braziliense (23/07/2010): “As pessoas precisam compreender a necessidade da experimentação animal. A ideia é conscientizar a população sobre a importância do uso de cobaias para o desenvolvimento de medicamentos e tratamentos”.
A discussão em torno da manutenção da experimentação animal ganhou fôlego e também “pegou fogo” por conta da Lei 11.794 também conhecida como Lei Arouca sancionada em 2008. A partir de então, todos os centros de experimentação animal precisaram criar Comissões Éticas no Uso de Animais (Ceuas) para autorizar (ou não) os procedimentos. As comissões devem avaliar o grau de sofrimento dos animais e se os resultados esperados pela pesquisa justificam sua realização. Em cada Ceua deveria ter pelo menos um membro de ONG de Proteção Animal, mas ocorre que, para o protetor membro do Ceua, pode se tratar de uma luta solitária e em vão contra uma maioria de pesquisadores afirmando a necessidade de um determinado teste em animais.
Para muitos, a Lei Arouca tem um aspecto positivo que é o controle de abusos (excesso de animais utilizados e muitas vezes sem anestesia) e a proibição de testes para cosméticos, mas para um grande grupo a lei veio apenas legalizar ainda mais os testes e, quando muito, impor alguns procedimentos que visam o bem-estar da cobaia como se isso fosse possível num ambiente hostil, solitário, muitas vezes impedindo a mobilização do animal e em meio a aplicações de sustâncias tóxicas e letais. É por isso que o grupo de protetores que está articulando uma série de manifestações pelos beagles declara: “É legal, mas é imoral”.
Conforme muitos dos pesquisadores da Nova Ciência, a medicina se atrasa na busca de curas de doenças testando em animais diferentes do homem. Organismos diferentes reagem de forma diferente a medicamentos e tratamentos. A própria condição em que os animais são mantidos nos laboratórios afeta consideravelmente os resultados de uma pesquisa uma vez que o medo, a angústia e a depressão liberam substâncias no organismo das cobaias que comprometem a ação das drogas.
Mas se não é tão útil por que fazem?
Para muitos ativistas da causa animal, a experimentação animal tem como objetivo alimentar toda uma rica indústria que vende produtos e equipamentos para biotérios, além de amenizar as responsabilidades de laboratórios que lançam no mercado produtos que mais tarde poderão prejudicar seres humanos. “Por exemplo: se um xampu infantil queima os olhos de uma menina, isso é visto como uma fatalidade, pois, testes realizados em olhos de coelhinhos mostraram que o produto é seguro”, explica Greif.
“Os testes em animais não podem prever esses efeitos e a indústria sabe disso, mas continua investindo em experimentação animal para prevenir futuros processos. Assim, todas as pessoas que vierem a falecer em decorrência do uso de um medicamento tornam-se fatalidades. Números aceitáveis frente aos possíveis benefícios do medicamento”, completa. Ele diz ainda que, se hoje transplantes de órgãos podem ser realizados com maior sucesso e existem vacinas um pouco mais seguras, foi porque ao longo dessas últimas décadas esses tratamentos foram testados em seres humanos, muitas vezes, às custas de suas vidas e saúde.